segunda-feira, 12 de agosto de 2024

 "Brasiliensium vel Hominum in Peru habitus" ou "Aspecto dos Brasileiros ou do Povo do Peru" Gravura de Jost Amman no Livro dos Trajes de Hans Weigel, 1577

"No final do Século XVI, o alemão Hans Staden, e os franceses André Thevet e Jean de Lery, escreveram importantes relatos sobre os hábitos culturais e normas morais das Sociedades dos Índios Tupis quando estiveram no Brasil: Segundo Jean de Lery "Entre os índios o adultério feminino lhes causa tal horror que se uma mulher vem a pecar (trair o marido) e engravida, a criança ao nascer é enterrada viva e a mãe ou trucidada ou abandonada aos rapazes. Depois de casada não pode a mulher ter relações com outras pessoas e sendo surpreendida em adultério é assassinada sem contemplação pelo marido.
Quando brigam entre si, os Homens se insultam de "tivira", "tebíra" ou "tebiró" o que quer dizer "sodomita", ou "homem das costas quebradas".
Note-se que sendo a poligamia permitida podem os homens ter quantas mulheres lhes quiser e quanto maior o número de esposas mais valentes são considerados."
Segundo Hans Staden (p. 274): "Vi chefes que tinham treze a quatorze esposas. Abati Bossange, possuía inúmeras, mas a que desposara em primeiro lugar conservava sua preeminência". Andre Thévet: "Foi o que vi com um chamado Cunhambebe, o qual tinha consigo oito e mais cinco esposas fora da casa. Um outro, por nome Amen-duna, possuía trinta e quatro e cerca de oitenta e seis filhos entre machos e fêmeas".
"As mulheres Vivem tranqüilamente juntas, sem se mostrarem ciumentas umas das outras, ajudando-se mutuamente no cuidado de seus maridos e filhos". É coisa admirável em seus casamentos que ao contrário das nossas mulheres, cujo ciúme impede a amizade e a tolerância, as deles, preocupadas principalmente com honras do marido, mostram-se solícitas em conseguir para o mesmo o maior número possível de companheiras, como testemunhos de suas
virtudes e de seu valor"
Entre os inacianos, um dos que mais se dedicou à observação dos relacionamentos familiares dos nativos foi padre José de Anchieta, que procurou identificar a existência do casamento natural entre as múltiplas uniões indígenas por meio da identificação da uxor vera, i.e., da esposa verdadeira. Para isso, dedicou-se a observar a vida conjugal dos tupinambás e escreveu um texto importante sobre esse assunto.
Verificou, em primeiro lugar, uma grande plasticidade e movimento nos relacionamentos matrimoniais deles - que se faziam e desfaziam-se com frequência, sem causar ofensas entre homens, mulheres e suas famílias. Na multiplicidade de uniões que homens e mulheres indígenas estabeleciam durante sua vida, queria descobrir a uxor vera e, graças a ela, identificar qual matrimônio era o mais “verdadeiro” e “legítimo”, consagrando-o posteriormente por meio do sacramento cristão.
A conclusão de padre Anchieta foi a de que inexistia um casamento natural entre os tupinambás. Como ele mesmo argumentou: “Os índios do Brasil parece que nunca tem ânimo de se obrigar, nem o marido à mulher, nem a mulher ao marido, quando se casam: e por isso a mulher nunca se agasta porque o marido tome outra ou outras (...).
A aliança entre índios e cristãos tinha custos para os indígenas e não apenas econômicos e militares. Implicava aceitar e realizar, mais cedo ou mais tarde, mudanças importantes na organização social, política e religiosa de suas comunidades.
. No campo da organização familiar, prevalecia entre os tupinambás o casamento entre primos cruzados ou o enlace da mulher com seu tio materno. Este poderia dispensar o casamento com a sobrinha, mas devia ser consultado acerca do assunto e o noivo passava, depois das núpcias, a assisti-lo no plano simbólico, da guerra e econômico (caça, pesca, limpeza das roças, construção de casa etc.). Além disso, aquilo que a moral cristã é luxúria e libertinagem feminina era, da perspectiva indígena, hospitalidade.
Se esperava que a monogamia fosse um resultado da educação que dispensavam aos jovens pelos missionários Jesuítas e a conversão dos caciques como Tibiriçá e Araribóia, que se casaram com suas esposas "principais"
O batismo de líderes indígenas e seus filhos eram feitos com suntuosidade e pompa, porque, sabiam os padres, que convertido o líder, ficava mais fácil converter o restante do pueblo. O batismo das mulheres também era utilizado como recurso de conversão e atração dos indígenas ao cristianismo, pois batizando-as os padres esperavam que logo fariam o mesmo com seus maridos. Da mesma forma, o matrimônio foi outro recurso utilizado, pelos jesuítas, como fator de atração cultural. Esse sacramento estabelecido, com aprovação de Deus, significava a união completa da vida de um homem e de uma mulher. O matrimônio representa um festividade solene para quem o contrai e para todos os que partilham de sua alegria. As cerimônias desse ritual sacramental dos neófitos indígenas impressionavam os demais, levando os não-convertidos a deixarem seu costume poligâmico para aderirem, não sem dificuldades, à monogamia pregada pelos jesuítas.
Gilberto Freyre, em Casa-Grande & Senzala, considerou o elemento indígena como importante formador da identidade social brasileira, principalmente nos primeiros séculos de contato com os europeus, atribuindo um papel essencial às mulheres nativas que se uniram em matrimônio ou "amancebamento"
fonte: Casamentos indígenas, casamentos mistos e política na América portuguesa: amizade, negociação, capitulação e assimilação social. Vania Maria Losada Moreira. JEAN DE LÉRY
VIAGEM À TERRA DO BRASIL. Tradução integral e notas deSÉRGIO MILLIET. Biblioteca do Exército.


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